PF indicia ex-superintendente do Ibama no RS e outros cinco por esquema de repasse de aves para criadores particulares
09/05/2025
(Foto: Reprodução) Uma harpia, a maior ave de rapina das Américas, teria sido um dos animais enviados de maneira ilegal por servidor do Ibama para um criador em troca de benefícios, segundo a PF. Paulo Guilherme Carniel Wagner, suspeito de desviar animais do Ibama
Divulgação
Seis pessoas foram indiciadas pela Polícia Federal (PF) em uma investigação que apurou um suposto esquema de envio ilegal de animais para criadores particulares por meio do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Rio Grande do Sul.
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Em troca, eles receberiam até R$ 20 mil por negociação. O relatório, concluído nesta quinta-feira (7), é a peça final do inquérito da Operação Celeno, que teve mandados cumpridos em dezembro de 2024.
A PF não divulgou os nomes dos envolvidos, mas a RBS TV apurou que um responsabilizados é o ex-superintendente substituto do Ibama no RS e ex-chefe do Cetas, Paulo Guilherme Carniel Wagner. Também é apontado como participante do esquema o analista ambiental do Ibama Emerson Strack Skrabe. Eles estão afastados administrativamente das funções e há pedido da PF para um afastamento permanente. Veja os posicionamentos dos envolvidos abaixo.
Segundo a investigação da Delegacia de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente da PF, os suspeitos ofereceriam aves retiradas ilegalmente do Cetas a interessados em obter registro como criadores comerciais.
Uma dessas aves, uma harpia, foi levada por um criador para apresentações, com cobrança de ingressos, em Gramado, diz a PF. Saiba mais abaixo.
O inquérito aponta que o grupo alegava se tratar de um processo de reabilitação dos animais, mas, na prática, utilizava essa justificativa para encobrir uma suposta rede de fraudes, incluindo a emissão irregular de autorizações, manipulação de sistemas de controle e alterações fraudulentas nos registros dos plantéis.
A delegada responsável pelo inquérito, Jeanie Tufureti, revela que, em troca, os envolvidos recebiam pagamentos. Segundo ela, a PF identificou depósitos nas contas do ex-chefe do Cetas através da quebra de sigilo bancário obtida junto à Justiça Federal.
Depoimentos de testemunhas do inquérito reforçam a suspeita.
"Nós vimos alguns ganhos, ainda que não de grande monta, como um depósito de R$ 20 mil para um dos servidores. O objetivo era esse lucro. A gente investiga ainda outras formas que esse dinheiro pode ter sido passado para os servidores, mas a gente tem depoimentos de pessoas que até foram iludidas, achando que realmente seriam legalizadas junto ao Ibama e pagaram R$ 10 mil, R$ 20 mil a um intermediador dos servidores, que faria essa comunicação com o pessoal do Cetas", conta a delegada Jeanie.
O inquérito foi remetido pela Polícia Civil ao Ministério Público Federal (MPF), que deve avaliar se oferece denúncia à Justiça, pede mais investigações ou arquiva o caso.
Harpia desviada do Ibama e entregue à criador particular no RS
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Maior ave do Brasil desviada
Um dos animais que teria sido destinado de maneira ilegal seria uma harpia, a maior ave de rapina das américas, que pode chegar a um 1,2m de altura e 2m de uma ponta de uma asa a outra. Em 2022, o Jornal do Almoço mostrou em reportagem um animal da espécie trazido pelo então diretor do Ibama para o RS.
Na entrevista da época, ele alegou que seria reabilitado e depois reintroduzido na natureza. Conforme a PF, no entanto, o bicho, na verdade, foi mantido em cativeiro e seria usado para espetáculos em Gramado.
"No caso específico das harpias, elas estavam lá há alguns anos já, estavam supostamente para reabilitação, mas elas nunca foram reabilitadas porque elas continuam lá até hoje. Não foi feito nenhum procedimento para reabilitar e uma possível soltura na natureza", complementa a delegada.
Além disso, a documentação sobre a existência de um projeto de repovoamento de harpias no RS só foi apresentada em novembro de 2024, segundo a PF. A apuração aponta, no entanto, que, desde 2022, os animais da espécie vinham sendo destinados a um criador de São Francisco de Paula.
Investigação
A investigação da PF teve início após uma inspeção feita pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) no criadouro em que estavam as harpias no RS, chamado Vale dos Falcões, em São Francisco de Paula, na Serra. Os servidores estaduais identificaram a ausência de documentação e repassaram o caso para a PF.
Durante o inquérito, a PF constatou que não eram somente as harpias destinadas sem documentação para criadores. Diversas aves, como papagaios, tucanos e outras espécies, saiam do Cetas e eram encaminhadas para criadores particulares sob a alegação de reabilitação. Mas, na verdade, nunca voltavam à natureza.
Um dos casos descobertos envolve nove papagaios verdadeiros que estavam no Cetas e teriam sido oferecidos para uma para um terceiro como formação de plantel — ou seja, uma espécie de "time" de aves de um criador comercial.
Para a delegada, os crimes identificados favorecem o tráfico de animais silvestres.
"A gente sabe que esse crime é muito intenso, no Rio Grande do Sul nós temos muito tráfico (de animais). As espécies ameaçadas de extinção, claro, elas são mais valorizadas, é o caso da harpia, que são poucos espécimes que nós encontramos ainda na natureza", conta a delegada.
Os suspeitos
A RBS TV conseguiu apurar quem são quatro dos seis envolvidos.
Paulo Guilherme Carniel Wagner
Analista ambiental de carreira do Ibama, ex-diretor substituto do órgão no RS: foi chefe do Cetas do Ibama no RS e também na Paraíba. Seria a pessoa responsável por destinar os animais. Indiciado pelos crimes de associação criminosa, peculato (desvio de bens públicos para fins particulares), inserção de dados falsos em sistema público e concessão irregular de licenças ambientais.
Emerson Strack Skrabe
Biólogo e analista ambiental de carreira do Ibama. Atuou no Cetas do órgão no RS. Apontado como responsável por fazer adulterações no Sistema Nacional de Gestão da Fauna Silvestre (Sisfauna). Indiciado pelos mesmos crimes.
Gustavo Trainini
Biólogo e falcoeiro. Proprietário do Vale dos Falcões. Teria sido beneficiado com as harpias destinadas através do Cetas e sem documentação. Foi indiciado por manter animais silvestres em cativeiro ilegalmente, sem permissão, ou usando uma licença de forma errada, especialmente se os animais são de espécies ameaçadas e por deixar de cumprir uma obrigação ambiental imposta por lei, regulamento ou autoridade.
Nelson Arrué Silveira
Criador comercial. Presidente da Federação Internacional dos Criadores. Teria relação próxima com Paulo e atuado como intermediador, segundo a investigação. Indiciado por associação criminosa, desvio de recursos públicos para benefício próprio, por inserir informações falsas em sistemas oficiais, por se passar por autoridade pública e por oferecer ou prometer vantagens indevidas a servidores.
Operação Celeno
Celeno, na mitologia grega, era uma das três harpias encontradas por Eneias no arquipélago de Strofades. Ela ficou conhecida por revelar profecias sobre as jornadas futuras do herói. O nome da operação faz referência a três aves harpias encontradas em um criadouro comercial no Rio Grande do Sul. Essas aves foram entregues ao criadouro por servidores do Ibama sem qualquer documentação legal, sendo o ponto de partida para as investigações.
O que diz o Ibama
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) informa que recebeu ofício da Polícia Federal referente às investigações conduzidas no âmbito da Operação Celeno, deflagrada em dezembro de 2024.
Em decorrência disso, foi instaurado Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apuração dos fatos relatados, o qual está em curso sob responsabilidade da Corregedoria do Ibama.
Manifestações dos suspeitos
Paulo Guilherme Carniel Wagner
A defesa do Sr. Paulo Guilherme Carniel Wagner não se manifestará no momento, agradecendo o espaço aberto ,diante estar ainda em curso o presente Inquérito Policial Federal.
Lembrando que o mesmo já foi colaborador desta emissora em inúmeras reportagens, sempre com conduta exemplar em prol de informar a sociedade quando solicitado.
Eduardo Maluhy Advogado OAB/RS 46.612
Nelson Arrué
"Meu nome é Nelson Arrué, estudante de Direito, criador de passeriformes há mais de 40 anos, ambientalista e defensor da causa animal, atuando firmemente no combate ao tráfico de animais silvestres.
Fui presidente da FEORS (Federação das Entidades Ornitológicas do Estado do Rio Grande do Sul) de 2018 a 2024 e também exerci a função de vice-presidente do SINCA-Xerimbabo (Sindicato dos Criadores do Brasil). Atualmente, ocupo o cargo de presidente da FIC – Federação Internacional dos Criadores (www.federacaodoscriadores.com.br), onde desenvolvo um trabalho contínuo voltado à preservação ambiental e ao bem-estar animal.
Sobre a ação da Polícia Federal:
Desconheço qualquer prática ilícita relacionada às minhas atividades, seja no âmbito da federação, seja em relação aos órgãos ambientais. Sempre atuei com transparência e responsabilidade. No IBAMA, mantive e mantenho uma relação de profundo respeito com os servidores, os quais sempre me acolheram de forma ética e profissional. Infelizmente, não posso dizer o mesmo em relação à SEMA, onde sempre atuei com firmeza na cobrança pelo cumprimento das leis estaduais e federais.
Registro aqui meu apreço ao veterinário Paulo Wagner Carniel, responsável pelo CETAS, que sempre me recebeu de maneira cordial, tanto pessoalmente quanto por meio de solicitações registradas via SEI no IBAMA.
Quanto à investigação em curso — iniciada há mais de três anos e que se arrasta há mais de cinco meses sem provas concretas — lamento profundamente a condução baseada em suposições e interpretações subjetivas. Trata-se de um processo movido por pessoas que se incomodam com a verdade, amparadas por cargos comissionados, utilizando o poder público para criar um cenário lamentável, sem respaldo legal ou comprovação efetiva.
Estamos sendo vítimas de uma situação irreparável, que jamais será compensada financeiramente. A confiança no devido processo legal e na verdade permanece inabalável".
Gustavo Trainini
Gustavo Trainini disse que não teve acesso aos autos do inquérito e só após isso vai se manifestar
Emerson Strack Skrabe
Não retornou o contato até a mais recente atualização desta reportagem.
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